Pelo direito de acreditar
Nessa quarta-feira de cinzas ficamos todos, na agência de propaganda em que trabalho, consternados com a notícia de que um de nossos colegas sofreu um seqüestro relâmpago na sexta de Carnaval, assim que saiu da agência. Durante mais de cinco horas ele ficou nas mãos de dois seqüestradores mas, graças a Deus, além do terror que passou, sofreu apenas algumas pequenas escoriações.
Afora o choque da notícia em si, fiquei ainda mais assustada com o que ele disse após todo o ocorrido. Ele, que sempre foi uma pessoa sem preconceitos, que nunca teve receio ou medo de outro ser humano (pelo contrário, talvez ele seja uma das pessoas mais humanas que conheço), falou que a partir de agora ele enxergava o mundo com outros olhos. Olhos de desconfiança.
Essa frase não me saiu da cabeça a tarde toda. Muito mais do que a paz do meu amigo, esse episódio roubou uma das coisas que ele tinha de mais preciosa: a capacidade de acreditar no outro. A capacidade de enxergar todos da mesma maneira. A partir desse momento, ou ao menos por um bom tempo, desconhecidos passarão a ser suspeitos. E ponto final.
Fiquei pensando nas milhares de pessoas que todos os dias sofrem das piores atrocidades. Fiquei pensando naqueles que tem seus entes queridos levados da forma mais cruel. Fiquei pensando, enfim, em como a violência tem nos tirado a capacidade sublime de acreditar.
Sinceramente, não sei o que de prático podemos fazer a respeito. Mas sei que não podemos ficar parados enquanto perdemos a esperança. Em nós mesmos, no outro e no mundo em que vivemos.
Diariamente a história se repete. Muitas vezes, com um final bem diferente da história do meu amigo. São garotas convidadas para uma festa e estupradas por aqueles que as convidaram. São jovens assassinados a queima roupa. São crianças brutalmente abusadas. E a cada nova manchete, a nossa capacidade de crer no outro se esvai mais um pouquinho.
Como eu disse ali em cima, de concreto, de prático, eu não sei o que podemos fazer. Mas de uma coisa eu tenho certeza: eu quero acreditar. Eu quero andar pela rua e enxergar o outro, mesmo que mal vestido, da mesma forma como eu me vejo. Eu quero ser abordada no sinal sem medo, entendendo que o outro só me pede ajuda – e não o meu carro ou a minha bolsa. Eu quero ver crianças como crianças e não como pequenos delinqüentes.
Eu quero continuar acreditando. Acreditando que o mundo pode mudar, que as pessoas podem melhorar, que o ser humano é capaz sim de amar. De se importar, de cuidar, de transformar a realidade em que vive.
Talvez, se mais de nós acreditarmos e começarmos a lutar por esse direito, um dia as coisas mudem. Mas desde já, eu digo: eu quero acreditar. Hoje e sempre!
Por Renata Cabral
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